domingo, 27 de janeiro de 2013
"Linhas Orientadoras de Educação para a Cidadania" - uma confusão?!
A quem serve esta "confusão"? A quem servem estes espartilhos?
In http://www.dgidc.min-edu.pt/educacaocidadania/index.php?s=directorio&pid=71
A propósito do dia 30 de janeiro, o Dia escolar pela não violência e pela paz (dia do assassinato de Mahatma Gandhi), fui à procura do que se diz na página oficial do MEC sobre Educação para a Cidadania, assumindo uma estreita, e natural, relação entre esta e a Educação para a Paz. Encontrei nesta página: http://www.dgidc.min-edu.pt/educacaocidadania/index.php?s=directorio&pid=71 - datada de dezembro 2012, as Linhas Orientadoras de Educação para a Cidadania, que li atentamente.
A Educação para a Paz aparece associada à Educação para a segurança e defesa nacional «que pretende evidenciar o contributo específico dos órgãos e estruturas de defesa para a afirmação e preservação dos direitos e liberdades civis, bem como a natureza e finalidades da sua atividade em tempo de paz» (DGE / MEC, 2012). Na minha perspetiva, trata-se, segundo os estudiosos (d'Ambrósio, 2002; Jares, 1991; Pureza, 2004; Galtung, 2005), da mais pobre e redutora forma de encarar a Educação para a Paz, pois limita-a à ausência de guerra, ou seja, a paz encarada apenas como antónimo de violência direta.
Todos sabemos que existem nas nossas sociedades outras formas de violência, as da violência indireta, que impedem a realização plena de cada ser humano e o respetivo contributo para o desenvolvimento humano do grupo social a que pertence - a plena realização de cada um está intimamente associada ao desenvolvimento social e humano dos coletivos a que pertence. Neste texto do MEC, ignora-se a violência estrutural, relacionada com a satisfação das necessidades básicas necessárias à sobrevivência de qualquer ser humano. Ignora-se a violência cultural exercida através dos media (e dos medos, como diz Castells, 2009) e de outras entidades manipuladoras de consciências (sobretudo as religiosas).
Não estranho esta visão por parte do atual governo - para quem a participação democrática também parece reduzida à democracia formal, ou seja, à participação nos atos eleitorais, as eleições nacionais: as legislativas, as autárquicas e as para a presidência da República.
Por seu turno, a Educação para a Cidadania, de acordo com este documento, é constituída por diversas componentes, mais ou menos instrumentais, mais ou menos essenciais à vivência comum democrática e quotidiana, mais ou menos próximas do grande referencial comum, a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Assim, temos:
- a educação rodoviária;
- a educação para o desenvolvimento;
- a educação para a igualdade de género;
- a educação para os direitos humanos;
- a educação para a segurança e defesa nacional;
- a promoção do voluntariado;
- a educação ambiental/desenvolvimento sustentável;
- a dimensão europeia da educação;
- a educação para os media;
- a educação para a saúde e a sexualidade;
- a educação para o empreendedorismo;
- a educação do consumidor;
- a educação intercultural.
Tudo dimensões que fazem parte das nossas vidas e do nosso viver em sociedade, não há dúvida, mas que, em meu entender, muito facilmente poderíamos relacionar com as diversas disciplinas ou áreas curriculares. Ambos os tipos de onhecimento teriam a ganhar, quer os saberes disciplinares que poderiam ser mais contextualizados, logo relacionados com a realidade, assumindo um maior significado para alunos e professores; quer estas dimensões transversais, uma vez que poderiam ganhar também um outro significado na sua relação com as áreas tradicionais do conhecimento, as áreas disciplinares mais antigas. A não ser assim, tudo fica árido e seco, despido de sentido e descontextualizados, deixando cair as relações e os afetos, bem como os sentimentos e as emoções que sempre as acompanham, a par da poesia, da criatividade, autorizamos que uma racionalidade mecânica, determinista se imponha. Foi isso que nos trouxe ao ponto, ao momento em que nos encontramos.
Em minha opinião, a Educação para a Paz está relacionada com o sonho, com a utopia, que antevemos e desejamos para o vivermos em conjunto, o vivermos em sociedade, numa sociedade aberta em que as contradições, conflitos e tensões são resolvidas de forma não violenta e criativa, nomeadamente através de ações dialógicas, contribuindo assim para o desenvolvimento dos indivíduos (nas suas várias dimensões) e dos coletivos a que pertencem. É a partir daqui que se deve pensar e repensar a escola e tudo o que nela se passa.
[Atualizado a 31/10/2014.]
Referências:
Castells, M. (2009). Communication and Power. Oxford: University Press
D'Ambrosio, U. (2002). Educação Matemática da Teoria à Prática. Campinas, S. Paulo: Papirus Editora
Galtung, J. (2005). Três formas de violência, três formas de paz. A paz, a guerra e a formação social indo-europeia. Revista Crítica de Ciências Sociais, Nº 71, pp. 63-75
Jares, X.R. (1991). Educación para la paz. Su teoría y su práctica. Madrid: Educación Popular
Pureza, J.M. (2004). Editorial. P@x - Boletim on-line. Núcleo de Estudos da Paz, N.º 1. Recolhido em http://www.ces.uc.pt/nucleos/nep/media/pdfs/P@x1port.pdf
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Margarida, obrigada pela partilha. Pensar e repensar a escola e tudo o que nela se passa...Os professores, nós, temos de tomar consciência da nossa própria força e alimentá-la...para podermos continuar sempre a sonhar, a contextualizar as vivências, a viver em sociedade, mesmo que nos queiram fazer pensar que os conflitos e tensões não possam ser geridos sem violência. Um beijinho. Eunice Ribeiro
ResponderExcluir